Entrevista a Leila Khaled

A resistência palestiniana <br> é uma necessidade

Isolar Is­rael e res­pon­sa­bi­lizar os cri­mi­nosos si­o­nistas, re­sistir à li­qui­dação do povo e da causa pa­les­ti­niana e ga­rantir a uni­dade das forças na­ci­o­nais, são os ob­jec­tivos que Leila Khaled, di­ri­gente da Frente Po­pular para a Li­ber­tação da Pa­les­tina e membro do Con­selho Na­ci­onal Pa­les­ti­niano, in­dicou como pri­o­ri­tá­rios em en­tre­vista ao Avante!, con­ce­dida à margem da sua par­ti­ci­pação no Se­mi­nário In­ter­na­ci­onal de So­li­da­ri­e­dade com o Povo Pa­les­ti­niano, re­a­li­zado a 29 de No­vembro, em Al­mada.

O im­pe­ri­a­lismo confia sempre no seu poder, mas não conta com a força dos povos

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Qual é o ob­jec­tivo da sua par­ti­ci­pação, em nome da Frente Po­pular para a Li­ber­tação da Pa­les­tina (FPLP), neste Se­mi­nário In­ter­na­ci­onal de so­li­da­ri­e­dade com o povo pa­les­ti­niano?

Fomos con­vi­dados pelas or­ga­ni­za­ções por­tu­guesas que pro­mo­veram o Se­mi­nário. A vinda a Por­tugal per­mitiu, ainda, que nos en­con­trás­semos com todos os par­tidos e grupos par­la­men­tares da As­sem­bleia da Re­pú­blica, in­cluindo o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês. O PCP re­cebeu-nos também ao nível da sua di­recção, com quem man­ti­vemos uma con­versa franca, entre ca­ma­radas que pre­tendem re­forçar os laços fra­ter­nais que nos unem.

Não tive tempo para ver as ci­dades de Lisboa ou de Al­mada. Para mim a ge­o­grafia não diz tudo. Diz-me mais o con­tacto com o povo. São as pes­soas e o re­la­ci­o­na­mento com elas que trans­mitem o país. E esse é um dos ele­mentos que re­tiro desta vi­sita, na qual man­tive sempre a sen­sação de estar entre ca­ma­radas, entre ir­mãos, quase como se es­ti­vesse em casa.

 

Essa sen­sação traduz os laços fra­ter­nais entre os povos por­tu­guês e pa­les­ti­niano? 

Claro que sim, e isso é muito im­por­tante para a nossa luta. Im­por­tante foram, também os en­con­tros com as vá­rias forças par­la­men­tares, as quais, por prin­cípio, devem re­pre­sentar o seu povo. Ora, na es­ma­ga­dora mai­oria dos casos, re­ce­bemos só­lidas ga­ran­tias de apreço pela causa pa­les­ti­niana, bem como de von­tade em con­tri­buir para o re­co­nhe­ci­mento dos di­reitos do meu povo e do meu país. Es­pero que assim seja.

 

Re­tira daí que o re­co­nhe­ci­mento do Es­tado da Pa­les­tina pelo Go­verno por­tu­guês é uma pos­si­bi­li­dade para breve?

Pelo Go­verno não creio. Mas o par­la­mento pode fazê-lo, o que será, por um lado, um passo sim­bó­lico, mas ao mesmo tempo uma to­mada de po­sição inequí­voca a favor do fim das agres­sões cri­mi­nosas de Is­rael, com con­sequên­cias di­plo­má­ticas evi­dentes, mas também ao nível eco­nó­mico, mi­litar.

Nestes úl­timos as­pectos, nós de­fen­demos o iso­la­mento de Is­rael, a sua res­pon­sa­bi­li­zação pelos crimes que co­mete contra os pa­les­ti­ni­anos e a Pa­les­tina, vi­o­lando o Di­reito In­ter­na­ci­onal.

Esse iso­la­mento pode e deve ser con­cre­ti­zado boi­co­tando Is­rael, de­fen­dendo a im­po­sição de san­ções in­ter­na­ci­o­nais. É tempo de punir o per­se­guidor e não os per­se­guidos.

 

O re­co­nhe­ci­mento da Pa­les­tina pelo par­la­mento por­tu­guês é re­le­vante para que o mesmo seja feito ao nível da UE?

Sim. Mas o re­co­nhe­ci­mento do Es­tado da Pa­les­tina, para a FPLP, não é o ob­jec­tivo final nesta fase. É uma etapa in­ter­média para o iso­la­mento de Is­rael. Os par­la­mentos votam pelo re­co­nhe­ci­mento da Pa­les­tina, mas os go­vernos também têm que o fazer para que tal tenha re­flexo nas Na­ções Unidas e no Con­selho de Se­gu­rança (CS).

Mesmo con­si­de­rando que os EUA usarão o veto no CS da ONU para de­fender Is­rael, uma mai­oria de países a favor da Pa­les­tina tem um sig­ni­fi­cado e terá que ter sequência. O mesmo aplica-se ao Con­selho dos Di­reitos Hu­manos da ONU, onde a Pa­les­tina, os pa­les­ti­ni­anos e sua causa eman­ci­pa­dora têm mais con­di­ções de de­fesa quanto maior for o nú­mero de países que re­co­nhecem a Pa­les­tina como um Es­tado.

Ba­talha para durar

Em que ponto se en­contra o con­flito is­raelo-árabe e quais as pers­pec­tivas para a sua re­so­lução?

Este é um con­flito his­tó­rico com ten­dência para se agravar. Is­rael está a apro­fundar a dis­cri­mi­nação dos ci­da­dãos árabes com uma lei que de­ter­mina o seu Es­tado como a «terra dos ju­deus». Estas nossas ini­ci­a­tivas já não são, por isso, apenas a favor da Pa­les­tina e dos pa­les­ti­ni­anos, mas em de­fesa dos di­reitos de muitos ci­da­dãos de Is­rael, que pau­la­ti­na­mente se trans­forma num país sob um re­gime de apartheid.

No sé­culo XXI, já não se pode to­lerar o apartheid, um Es­tado que tenha como pi­lares o se­gre­ga­ci­o­nismo e o ra­cismo. O apartheid na África do Sul foi, em grande me­dida, der­ro­tado pela cres­cente so­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­onal para com o povo sul-afri­cano. So­li­da­ri­e­dade que correu a par do iso­la­mento do re­gime e go­vernos sul-afri­canos, da apli­cação de san­ções in­ter­na­ci­o­nais e do seu cum­pri­mento pela es­ma­ga­dora mai­oria dos países do mundo, ex­cep­tu­ando os EUA e Is­rael. É tempo de o mundo se­guir o mesmo ca­minho em re­lação a Is­rael.

 

Mas fa­lá­vamos das pers­pec­tivas de re­so­lução do con­flito, e neste sen­tido per­gunto-lhe se existe em Is­rael um mo­vi­mento po­pular capaz de con­frontar a fas­ci­zação do Es­tado e pro­mover a con­vi­vência pa­cí­fica entre is­ra­e­litas e árabes; capaz de pro­mover entre as massas o re­co­nhe­ci­mento do Es­tado pa­les­ti­niano in­de­pen­dente e so­be­rano...

Há al­gumas vozes, mas não é um grande mo­vi­mento. Para mais, pode aqui­latar-se o grau de cons­ci­ência das massas pelos re­sul­tados elei­to­rais e o re­forço dos par­tidos si­o­nistas, em par­ti­cular aquele que re­pre­senta os co­lonos. Mesmo os nomes dos par­tidos – «a casa dos ju­deus», «a terra dos ju­deus», etc. – são elu­ci­da­tivos quanto ao con­junto de ideias e ob­jec­tivos que se im­põem na so­ci­e­dade.

Neste con­texto, só um forte e amplo mo­vi­mento de so­li­da­ri­e­dade mun­dial, com ex­pressão ins­ti­tu­ci­onal, pode forçar a mu­dança e a der­rota da fas­ci­zação do Es­tado de Is­rael. Nós não pe­dimos que se puna o povo is­ra­e­lita, mas aqueles que co­metem mas­sa­cres contra os pa­les­ti­ni­anos e im­pedem a sua eman­ci­pação na­ci­onal, aqueles que im­põem o apartheid.

Não podem ficar im­punes as ma­tanças, entre as quais a mais re­cente na Faixa de Gaza. Não se pode to­lerar a ex­pulsão dos árabes de Je­ru­salém e a cres­cente agres­si­vi­dade e be­li­co­si­dade si­o­nista, a sua aposta no con­fronto e na es­ca­lada mi­litar, pro­vo­cando re­ac­ções de de­ses­pero por parte dos pa­les­ti­ni­anos, como aquelas a que es­tamos a as­sistir em Je­ru­salém ou na Cis­jor­dânia.

Is­rael não quer saber das re­so­lu­ções e con­de­na­ções in­ter­na­ci­o­nais, desde que tenha o apoio dos EUA, pri­meiro, mas também de muitos países «oci­den­tais». É por isso tempo dos povos exi­girem que os par­tidos que nos seus países se dizem de­mo­crá­ticos e pro­gres­sistas, pres­si­onem os res­pec­tivos go­vernos a boi­co­tarem Is­rael e a re­cla­marem a res­pon­sa­bi­li­zação pelos crimes co­me­tidos. É uma questão de jus­tiça e o único ca­minho viável para travar os ba­nhos de sangue não apenas na Pa­les­tina, mas em todo o Médio Ori­ente, que não vai sos­segar en­quanto a causa pa­les­ti­niana es­tiver por cum­prir.

A causa pa­les­ti­niana, a con­cre­ti­zarem-se os ob­jec­tivos de fundo do im­pe­ri­a­lismo, que apoia Is­rael, para a re­gião; a con­so­lidar-se a re­de­fi­nição das fron­teiras re­gi­o­nais na base ét­nico-re­li­giosa, como pre­tendem com as guerras contra a Síria e de novo no Iraque – agora a pre­texto do com­bate a um grupo de mer­ce­ná­rios que o pró­prio im­pe­ri­a­lismo criou, armou e fi­nan­ciou –, seria de facto es­ma­gada, e Is­rael con­so­lidar-se-ia como a única po­tência.

 

Acha isso pos­sível?

Pen­samos que, apesar de tudo, não é pos­sível fazer es­quecer a Pa­les­tina e os pa­les­ti­ni­anos. O im­pe­ri­a­lismo confia sempre no seu poder e ca­pa­ci­dade de do­minar e re­primir, mas não conta na justa me­dida com a força dos povos. Se­gu­ra­mente que mais e mais com­plexos obs­tá­culos à eman­ci­pação da Pa­les­tina e do seu povo estão a ser co­lo­cados. Isso é claro olhando para a si­tu­ação no Médio Ori­ente. Mas a causa pa­les­ti­niana não se li­quida se contar com a mais ampla so­li­da­ri­e­dade e sim­patia dos povos. E com a sua luta, claro está.

Di­reito ao fu­turo

Para além da pressão in­ter­na­ci­onal, do iso­la­mento de Is­rael, que ou­tras formas de re­sis­tência e luta podem ser le­vadas a cabo pelos pa­les­ti­ni­anos?

Há dois grandes mo­vi­mentos na Pa­les­tina: a Fatah e o Hamas. Ambos di­videm os pa­les­ti­ni­anos. Há de­pois os par­tidos e mo­vi­mentos de es­querda, de entre os quais a FPLP. Sub­sistem, também, muitas per­so­na­li­dades pro­gres­sistas. Da nossa parte, en­ten­demos que o ca­minho é o for­ta­le­ci­mento das forças de es­querda e de­mo­crá­ticas, que in­sistem num pro­grama comum a todas as forças, o que é o mesmo que dizer que in­sistem na uni­dade tendo por base con­teúdos con­cretos.

Este pro­grama tem de con­si­derar a questão da ocu­pação da Pa­les­tina por Is­rael. Al­guns pensam que po­demos atingir os nossos ob­jec­tivos através de ne­go­ci­a­ções. Neste as­pecto, su­blinho que desde a as­si­na­tura dos acordos de Oslo, em 1993, Is­rael roubou mais de 60 por cento das terras que cons­ti­tui­riam o Es­tado da Pa­les­tina. Nesses ter­ri­tó­rios estão mi­lhares de co­lonos e a co­lo­ni­zação é um pro­cesso con­tínuo. Cerca de me­tade dos co­lo­natos foram cons­truídos após Oslo. Hoje existem cerca de 600 mil co­lonos nos ter­ri­tó­rios pa­les­ti­ni­anos con­si­de­rando as fron­teiras de 1967. Co­lonos que são um au­tên­tico exér­cito de ocu­pação.

O que isto nos diz é que Is­rael, se­guindo as ori­en­ta­ções dos su­ces­sivos con­gressos si­o­nistas, nega a cons­ti­tuição de um Es­tado pa­les­ti­niano. O si­o­nismo é a re­fe­rência de todos os go­vernos is­ra­e­litas, do Es­tado ra­cista que pre­tendem.

 

Então con­si­dera que a so­lução ne­go­ciada é uma mi­ragem?

Em 2011 subs­cre­vemos um do­cu­mento, pro­mo­vido in­clu­si­va­mente pelos presos pa­les­ti­ni­anos em Is­rael. Todas as fac­ções pa­les­ti­ni­anas acei­taram este como um pro­grama comum, por isso a FPLP não de­siste de apelar para a sua vi­gência e cum­pri­mento. A Fatah e o Hamas não o querem e pros­se­guem a di­visão do nosso povo e até da au­to­ri­dade pre­cária exis­tente. Da nossa parte, con­ti­nu­amos a de­fender a uni­dade na­ci­onal na base da­quele acordo-pro­grama. E vamos con­ti­nuar a pro­mover esta linha po­lí­tica entre o nosso povo.

É evi­dente que na Faixa de Gaza a questão mais ur­gente é a so­bre­vi­vência. Mi­lhares estão sem abrigo, sem em­prego, sem co­mida, sem me­di­ca­mentos, e essas são de facto as suas pri­o­ri­dades. Nós sa­bemos isso. No en­tanto, também sa­bemos que através das agres­sões, das guerras pu­ni­tivas e de ocu­pação, Is­rael tem como ob­jec­tivo des­truir a pos­si­bi­li­dade de mo­bi­li­zação dos pa­les­ti­ni­anos em torno da sua causa na­ci­onal.

O ca­minho que o pre­si­dente Mah­moud Abbas traçou foi, pri­meiro, re­correr às As­sem­bleia-geral das Na­ções Unidas, de­pois ao Con­selho de Se­gu­rança – aqui os norte-ame­ri­canos nunca per­mi­tirão qual­quer re­so­lução fa­vo­rável ao fim da ocu­pação – e, de­pois, pedir a en­trada da Pa­les­tina nas ins­tân­cias in­ter­na­ci­o­nais, in­cluindo aquelas em que po­demos apre­sentar queixa contra Is­rael por crimes contra a hu­ma­ni­dade. Se este ca­minho não tiver su­cesso, Abbas já disse que en­trega a «chave» da Au­to­ri­dade Na­ci­onal Pa­les­ti­niana a Ben­jamin Ne­tanyahu.

 

Ao pri­meiro-mi­nistro de Is­rael? Não ao povo pa­les­ti­niano?

Não, a «chave» é para Ne­tanyahu. Isto foi o que Abbas disse. Na ver­dade, tal traduz que em vez de ame­açar Is­rael, está na con­di­ci­onar os pa­les­ti­ni­anos. O re­gime de au­to­ri­dade acos­sada e de ban­tus­tões onde vivem os pa­les­ti­ni­anos à es­pera de um pro­cesso ne­go­cial que ter­mine com o re­co­nhe­ci­mento dos seus de­síg­nios na­ci­o­nais, é, em rigor, uma ocu­pação de baixo custo para os si­o­nistas.

 

Então que ca­minho de­fende a FPLP para con­quistar a au­to­de­ter­mi­nação?

A re­sis­tência não é uma opção con­jun­tural, é uma ne­ces­si­dade e parte de um pro­cesso de eman­ci­pação. Re­sis­tência sob todas as formas, in­cluindo a luta ar­mada, como, aliás, é re­co­nhe­cido pelo Di­reito In­ter­na­ci­onal aos povos sob ocu­pação. Pe­rante a in­jus­tiça, o ge­no­cídio, a se­gre­gação, re­sistir é um di­reito e um dever.

Não se pode en­frentar as bombas e os ca­nhões com rosas. Sa­bemos muito bem que não existe so­lução mi­litar para o con­flito. A des­pro­porção de meios é avas­sa­la­dora. Mas a questão da re­sis­tência, sob qual­quer forma e meio como é di­reito dos povos ocu­pados, leva o ini­migo a pensar duas vezes antes de mas­sa­crar, fá-lo per­ceber que não es­tamos dis­postos a ca­pi­tular. Estou con­ven­cida de que a po­lí­tica cri­mi­nosa de Is­rael terá como con­sequência e res­posta o au­mento da re­sis­tência dos pa­les­ti­ni­anos.

Volto a lem­brar que na África do Sul a so­lução ne­go­ciada só foi al­can­çada porque os sul-afri­canos nunca ab­di­caram de lutar contra o apartheid sob todas as formas. Foi assim que con­quis­taram a li­ber­dade, que de­mons­traram o ca­rácter cri­mi­noso do re­gime e cri­aram con­di­ções in­ter­na­ci­o­nais para o seu iso­la­mento, con­de­nação e pu­nição.

Na África do Sul, todos sa­biam que en­quanto exis­tisse um re­gime de apartheid, a paz e a de­mo­cracia e a li­ber­dade não se­riam pos­sí­veis. Com Is­rael passa-se o mesmo.



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Causas e consequências

Quem, nos anos de chumbo do fas­cismo, no con­texto da po­breza, da re­pressão a todos os ní­veis e da guerra co­lo­nial não se lembra dos mi­lhares e mi­lhares de con­ci­da­dãos que através do «salto» ou por via legal se viram obri­gados a emi­grar?
Foram muitos mi­lhares aqueles que, então, dei­xaram a nossa pá­tria tendo, em 1966, atin­gindo o seu má­ximo valor, es­ti­mado na al­tura em cerca de 120 000 por­tu­gueses.